Aproximando-se da Paixão, o Senhor teve o cuidado de investir os seus discípulos com a Sua graça, para que uma graça invisível lhes fosse oferecida por meio de algum sinal visível. Para isto foram instituídos todos os sacramentos, para isto foi instituída a participação na Eucaristia, o lava-pés, e por fim o próprio batismo, o princípio de todos os sacramentos, nos quais somos enxertados em Cristo com uma morte semelhante à sua. É por isso que a tríplice imersão representa o tríduo que devemos celebrar. […]
Qual é a graça com a qual somos investidos com o batismo? Certamente a purificação dos pecados. Quem pode tornar puro aquele que foi concebido de uma semente impura, senão aquele que é o único puro e em quem não há pecado: Deus? O primeiro sacramento desta graça foi a circuncisão, onde a faca raspou a ferrugem do pecado original, que se espalhou nos nossos antepassados; mas na vinda do Senhor, que é o Cordeiro totalmente doce e manso, cujo jugo é doce e cujo fardo é leve, ocorreu uma mudança absoluta para melhor; é a água que, com a unção do Espírito Santo, dissolve a ferrugem antiga e põe fim à dureza daquele sistema. […] Mas talvez alguns de vós se perguntem: “Se no batismo foi cancelado o que contraímos de nossos antepassados, por que ainda permanece a concupiscência, que é a fonte e como um incentivo ao pecado?”. Não há dúvida de que essa lei do pecado passou dos nossos primeiros pais para nós, porque todos fomos gerados por uma vontade pecaminosa; por isso, mesmo que contra a nossa vontade, sentimos esses movimentos de luxúrias ilícitas e grosseiras. Eu já vos disse muitas vezes, e não deve escapar-vos da vossa mente: na queda do primeiro homem todos nós caímos. Caímos então sobre um monte de pedras e na lama, e por isso não só nos sujamos como também nos ferimos, e gravemente; em tão más condições, podemos ser lavados rapidamente, mas para nos curarmos precisamos de uma cura muito longa. Somos, portanto, lavados no batismo porque o documento escrito da nossa condenação é cancelado, e nos é dada esta graça, que a concupiscência não nos poderá mais afetar, porém, apenas se recusarmos em consenti-la; e assim a podridão de uma praga inveterada é removida e, ao mesmo tempo, são retiradas a condenação e a sentença de morte que antes provinham dali.
Mas quem será capaz de dominar tais movimentos selvagens? Quem poderá suportar o prurido desta chaga? Tenham confiança, porque também nisto a graça vem em nosso auxílio, e para estarem tranquilos, têm como proteção o sacramento do precioso Corpo e Sangue do Senhor. Esse sacramento faz duas coisas em nós, isto é, diminui a sensibilidade, e nos pecados mais graves remove completamente a possibilidade de consentir. Se algum de vós não sente agora os movimentos de raiva, inveja, luxúria ou outras paixões semelhantes com tanta frequência ou intensidade, dê graças ao Corpo e Sangue do Senhor, porque n’Ele opera o poder do sacramento, e regozijai-vos, porque quando aquela terrível praga se aproxima, há cura. […] Mas o que fazer já que neste corpo de pecado e nestes dias maus em que não podemos ficar sem pecado? Vamos talvez desesperar? Não. Se dissermos – diz São João – que não pecamos, enganamo-nos a nós mesmos, e a verdade não está em nós. Se, ao contrário, confessarmos nossos pecados, Deus é fiel para nos perdoar os pecados e nos purifica de toda culpa.
Não temos dúvidas sobre o perdão dos pecados quotidianos, temos o sacramento desse perdão: o lava-pés. Talvez vos pergunteis como saber que é o sacramento desse perdão? Especialmente porque o mesmo Senhor havia feito uma promessa a Pedro, dizendo: O que eu faço não entendeis agora, mas entenderás mais tarde. Ele não falou nada sobre o sacramento, apenas disse: Eu dei um exemplo para que o façais também. Ele ainda tinha muitas coisas para lhes dizer, mas eles ainda não podiam suportar o fardo. Portanto, Ele não queria deixá-los ansiosos ou desconfiados, nem dizer o que eles não podiam entender. Mas vós sabeis por que o lava-pés foi feito não apenas como um exemplo, mas como um sacramento? Prestai atenção ao que foi dito a Pedro: Se eu não te lavar, não terás parte comigo. Há, portanto, algo oculto que é necessário para a salvação, pois sem ela nem mesmo o próprio Pedro teria participado do reino de Cristo e de Deus. E vejam se Pedro não estava assustado diante da terrível palavra de uma ameaça tão grande, vejam se ele não reconheceu que havia um mistério de salvação quando respondeu: Senhor, não só os pés, mas também as mãos e a cabeça.
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