Não é sem razão que a Igreja, que tem o Espírito daquele Senhor que é seu Esposo e ao mesmo tempo seu Deus, se une hoje com uma nova e maravilhosa união da paixão à procissão, de tal modo que a procissão traz consigo os aplausos, e a paixão o pranto. […]
Por isso aquele Senhor que começou a fazer e a ensinar tantas coisas, quando se manifestou na nossa carne como homem, conseguiu manifestar claramente em si mesmo o que tinha sido predito por meio do profeta: todo homem é como a erva, e toda a sua glória é como uma flor do campo, pregando aos homens não apenas com palavras, mas com o exemplo. Por isso quis ser exaltado com a glória da procissão, sabendo que já estava muito próximo do dia ignominioso da sua paixão. Quem poderá doravante confiar na incerteza da glória do mundo, vendo o Senhor que não conheceu pecado, o mesmo Criador dos tempos e Criador do universo, passar de tão grande exaltação a uma não menor humilhação? Na mesma cidade, pelo mesmo povo e ao mesmíssimo tempo, ele é honrado com a glória da procissão e com os louvores de Deus, e pouco depois é levado a julgamento com injúrias e tormentos, e é contado entre os criminosos. Este é o fim da alegria passageira, este é o fruto da glória temporal. Por isso, o profeta reza sabiamente para poder cantar ao Senhor sem cessar a Sua glória, isto é, de poder haver uma procissão à qual não se siga a paixão. Na procissão representamos a glória da pátria celeste, na paixão o caminho ao qual ela conduz. Se a procissão vos traz à mente aquela alegria futura e a exultação transbordante quando formos arrebatados nas nuvens para encontrar Cristo nos ares, se com todo o ardor desejais ver aquele dia em que Cristo, o Senhor, será recebido na Jerusalém celestial como cabeça com todos os seus membros, levando o triunfo da vitória, no meio de aclamações, não das multidões do povo, mas das forças angélicas, enquanto os povos de todos os lugares de ambos os testamentos proclamam “Bem-aventurado aquele que vem em nome do Senhor”, se, repito, forem capazes de meditar, refletindo sobre a procissão, o lugar para o qual nos devemos apressar, aprendei na paixão o caminho que deveis seguir. Na verdade, este é o caminho da vida: a provação de hoje. É o caminho para a glória, o caminho para a cidade onde viver, o caminho para o reino, segundo o que o ladrão clama na cruz: Lembra-te de mim, Senhor, quando estiveres no teu reino. Ele o viu entrando no reino e implorou que se lembrasse dele quando chegasse lá; então ele também foi para lá; e se querem saber por que atalho, no próprio dia mereceu estar com o Senhor no céu. A glória da procissão tornava suportável o cansaço da paixão, porque para quem ama nada é difícil.
Gosto de considerar com atenção a tríplice reverência que vejo prestada ao Salvador nesta procissão: a primeira, pelo burro em que se senta; a segunda, pelos que estendem os mantos; o terceiro por aqueles que cortam os ramos das árvores. Não é verdade que todos os outros dão do que sobra, e obedecem ao Senhor quase sem que isso os incomode, e que só o jumento se oferece a si mesmo? […]
O jumento em que Cristo está sentado não sois vós que, segundo o mandamento do Apóstolo, glorificam e carregam Deus nos vossos corpos? Os homens do mundo, para dar glória ao Senhor, não gastam os seus corpos, mas as coisas que são pertinentes e necessárias aos corpos, quando dão esmola de bens terrenos. E os superiores cortam os ramos das árvores, quando da fé e obediência de Abraão, da castidade de José, da mansidão de Moisés e das virtudes dos outros santos, esboçam argumentos para o anúncio do Evangelho. Mas estes também distribuem das suas despensas cheias e são ordenados a dar de graça o que receberam igualmente de graça. Porém, se cada um estiver fielmente atento ao seu serviço, estará na procissão do Salvador, entrará com Ele na Cidade Santa, pois o profeta previu que três deveriam ser salvos: Noé que corta os ramos para construir a arca, Daniel, representado como um animal, na comida humilde e na arduidade da abstinência, carregando o Salvador, e Job, que distribui bem a riqueza deste mundo, e aqueceu os membros dos pobres com a lã das suas ovelhas.
Mas de quem Jesus está mais próximo naquela procissão, de qual das três ordens a salvação está mais próxima, acho que podeis perceber facilmente…
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